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... tenho a liberdade de escrever e deixar ler a quem interessar alguns poemas, fotografias, críticas e outras coisas.A efemeridade da vida e o seu processo cíclico, a efervescência dionisíaca da sociedade são assuntos que quero botar em discussão.Então...fiquem a vontade.

terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Adormeço

No meu quintal havia majares frutíferos de todo sabor, havia flores, cheiro de mato, de folhas caídas na poça dàgua: morada das formigas.
No céu todas as formas do universo, e o vento ( que era meu amigo) bailava o balanço de onde derramava  a chuva lilás que pintava o chão.
Era eu rainha-nua de roupa nova,trapezista dos velhos galhos da goiabeira.
Era espiã dos limites do quintal vizinho, onde arriscava-me nas fronteiras guardadas pelo monstro-cão.Um dia este me tirou um pedaço da carne.Mistura de sangue e saliva nos tornaram irmãos.
O monstro guardava a velha feiticeira:senhora das gestações.
Tomei posse da minha terra, construí castelos com as mesmas pedras que machucavam meus pés, descobri tesouros escondidos.
Ao entardecer, exausta das batalhas era embalada pela doce cantiga das cigarras:sinfonia ao pôr do sol.
Adormeço então e sonho ainda como a criança que adormece.

Pré amar


Mar repele
Mar é pele
Res- pirar
Trans-pirar
Pré- amar
Preamar.

Clara

Clara noite
Clara Lua
Clareou
Clareana
Luarou
A pele clara
Clara estrela
Noite clara
Rio
Claro e límpido
Riso
Só ria
Anna clara.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

A Cigarra

Uma cigarra canta sobre a mangueira
No fim de tarde da selva de pedra.
Sinto o cheiro verde no som das buzinas dos carros
E nos risos dos passantes
A cidade é como um altar
Da velha senhora
De linhas suaves escritas em seu rosto
Como um novo poema em papel antigo.
A cigarra ainda canta uma velha cantiga
Canção do meu velho quintal
Onde antes eram várias canções
Nele muitas cigarras cantavam
No fim de tarde da cidade-lilás
A cigarra canta uma canção tristonha
Das memórias da velha mangueira
A cidade tem um poema escrito
Em cada beco
Em cada rua
As linhas que traçam caminhos
Envelhecem a cada amanhecer.
A cigarra ainda canta
Renova cada promessa
Para não ser sugada pelo esquecimento
Envelhecer é perder velhos amigos pro tempo?

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Flor de Lama ou Anarquia das Flores




Do gesto à palavra
O barulho do silêncio
A luz do breu
Olhe
Toque
Cheire
Sue
Corpo que gruda como sanguessuga
Suga os mamilos
Voluptuoso gesto
Das mãos entrelaçadas
à meia luz
Na tapera
Lugar qualquer
À beira da estrada
Em qualquer leito
Mera madrugada
A - dor- meces
Outro dia
A luz
Pé na terra
Na janela
Um corpo sobre a penumbra
Flores orvalhadas
As flores caem
Feito poeira
Como lembranças
Que se perderam no caminho.

Jaqueline Souza

domingo, 24 de junho de 2012

Coisa Qualquer 2

Coisa
Qualquer coisa
Qualquer
Bossa
Qualquer
Nota
Qualquer
Canto
Qualquer espanto
Tudo
Qualquer
Nada
Qualquer
Sonho
Qualquer estrada
Qualquer
Riso
Qualquer
Pranto
Acalanto qualquer
Qualquer
Entusiasmo
Qualquer
Meta
Qualquer espasmo
Qualquer
Um
Qualquer
Corpo
Qualquer orgasmo
Coisa qualquer.

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Sobre Cabelos



       Os cabelos sempre se constituíram como excelente adorno do rosto, tidos historicamente para a mulher como símbolo de sedução e para o homem como demonstração de força.Eles estiveram associados à ideia de força e beleza, a calvície ficou ligada ao conceito de sabedoria. Assim, os sacerdotes egípcios tinham a cabeça raspada como símbolo de desapego,Sansão retirava de seus cabelos força para derrotar o filisteus,Maria Madalena lavou os pés de Jesus com lágrimas e secou com seus cabelos,Afrodite cobria sua loira cabeleira sua nudez, Shiva aponta com os cabelos as direções espaciais, os índios tiram escalpos dos inimigos, enfim os cabelos tem uma ligação com o ser humano desde muito tempo, que vai além da questão estética ou biológica.

    Eu tenho uma certa história com meu cabelo,uma relação simbólica que me fez parar para pensar nos cabelos que emolduram meu rosto, os mesmos que me acompanharam em várias fases da vida.
    Depois de muito tempo com cabelos curtos, presos e vermelhos, resolvi parar de pintá-los e cortá-los.Hoje, olhando-me no espelho percebi o quanto estavam compridos e negros.
      Lembro que quando menina minha mãe me penteava, me fazia usar cachos e tranças e acessórios que adornavam meu rosto infantil. Quando aprendi a me pentear sozinha, deixava-os soltos ao vento como simbolo de liberdade. Na adolescência, variava de forma, ora estavam presos, ora estavam seus cachos soltos, ora estavam pintados, ora estavam naturais.Na idade adulta, principalmente quando fui mãe, eles ficaram na maior parte das vezes presos, como forma de neutralização de minha feminilidade para dedicar-me aos bebês e assim como minha mãe, fazia o ritual de pentear minhas duas filhas.Agora que elas estão mais crescidas, já não as penteio com frequência, pois tem seus próprios gostos.
    Resolvi  então depois de muito tempo soltar meus cabelos para penteá-los e achei um fio de cabelo branco,lembro que ele não existia até um tempo atrás,este me fez olhar meu rosto no espelho e perceber nele as marcas do tempo.Já não tenho mais o rosto de uma menina, as linhas brancas do cabelo e do rosto, traçam em mim algo que se transforma constantemente.O fio branco ( hoje é apenas um, amanhã será milhares) é símbolo das alegrias e tristezas, dos tempos de luta e de paz, das viagens e das reclusões que transformaram a menina de cachos castanhos na pessoa amadurecida de longos cabelos negros que aos poucos douram como os campos de trigo.Esta descoloração me leva a crer que a velhice é a única etapa da vida ao qual nenhuma sociedade comemora.Segundo Eugéne Barba,teórico teatral, as sociedades comemoram e ritualizam os nascimentos, a puberdade, os casamentos e algumas até mesmo a morte, mas não há registros de rituais que marquem essa passagem para a velhice. Ora se não é nela que acumulamos sabedoria e experiências que devem ser repassadas? A transformação do ser humano nesse sentido não é algo que possa ser relevante?
Olho para meu rosto e vejo o quanto sou parecida com minha mãe,que atualmente está com todos os seus fios brancos como um véu suave.Ela já não me penteia mais e talvez nem saiba ainda da existência deste único fio branco em minha cabeça que me faz tão parecida com ela.Gostaria de penteá-la ,acariciar sua cabeça alva e segurar em minhas mãos cada fio e saber que essas linhas de experiências e sabedoria acumuladas por todos esses anos,todas as suas lutas, todas as suas dores e também suas alegrias , fizeram parte todos os dias de minha vida e construiram a minha história.

terça-feira, 8 de maio de 2012

O mundo é tão pequeno
Cabe na palma de minha mão
Infinitamente mínimo
traça em minhas linhas
o caminho da imensidão.
Estradas que se cruzam
como linhas quiromânticas
nos cruzamos feito estradas
apenas uma história romântica
Leve meu mundo consigo
numa pequena bagagem
Levo seu mundo comigo
Na minha longa viagem.
Da minha mão as linhas fogem
Não traçam mais nem vida e nem morte
Levo seu mundo comigo
Levo nas costas minha sorte.

segunda-feira, 30 de abril de 2012

Coisa alguma

Por achar coisas demais
Não acho mais nada.
Quem pensa que acha alguma coisa
Acaba não encontrando coisa alguma.

terça-feira, 10 de abril de 2012

Breve ensaio de pontos e cores

Do tempo das coisas simples difere do tempo real.
É outro tempo o tempo da imaginação da menina
As pequenas estações do tempo fogem a toda complexidade
Na primavera, árvores em vários tons  formam um bosque multicor, de suas copas brotam saladas de frutas.Todas as frutas.
Escorrem  marcas de dedos de seus troncos e galhos,por onde as lagartas saltam e ensaiam breves voôs  rasantes no ar de algodão doce.
No outono, folhas de asas de borboletas flutuam sobre o chão,
Na penumbra da árvore solitária,um sapo-rato passa pescando no ar mosquitos de queijo.
No inverno, cinza em pontos monocromáticos formam algumas nuvens no céu.
As nuvens formam diversos desenhos.
De repente, lá no alto uma torneira deixa derramar na terra cartas azuis.
Das cartas escorrem palavras de amor que fertilizam o mundo.
No verão,o vento carrega consigo uma delas
Chega até a caixa de correio,morada do pombo.
O sol aquece o solo.
Uma serpente faminta de si mesma se engole
Forma um ponto no chão.
A imaginação recomeça
Ponto de partida
Para a imaginação da menina a única regra é não haver nenhuma.

*Baseado na pintura de Gabriela



terça-feira, 20 de março de 2012


palavra pequenina
monossílaba
Apenas uma faísca
Um ponto de luz.
Um grão de mostarda
Quer germinar
Nas terras áridas
Do meu peito.

O que há?

O que há escondido por trás de cada vontade?
O que há escondido por trás de cada gesto?
O que há escondido por trás de cada palavra?
O que há escondido em mim?

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Lua de Guita

Haviam duas luas
Uma lua na caixa de fósforos
Lua da menina
Outra no céu
lumina essência
Dentro do sapato
Lua ilumina
Pés de lua
Sapato furado
Pelo buraco entra o rato
O rato comeu a lua
O rato se encantou
Correu e subiu no galho
A lua consome o rato
O rato enluarou
Gotas de luz
Caem sobre as folhas
Gotas de lua
Para dentro do rio
A água serenou
Espelho do luar
História de gostar
Um dia menina contou.
Te juro!

* Baseado no romance Marajó de Dalcídio Jurandir

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Último Carnaval

Na manhã de carnaval
Vejo meu rosto no espelho de outros rostos
Úmidos
Pálidos
Vozes balbuciam coisas que não compreendo
Pessoas se amontoam
Passam
Lembro do cheiro de flores
E da moça de máscara lilás e brilhante
Crianças correm e riem
às vezes choram
Serpenteia em mim raio de luz da manhã
Com pequenas gotas de confetes
Que molham  e salgam a terra .
O bumbo toca
Segue o cortejo
A vida segue
Com todas as suas cores
É carnaval apenas
Último carnaval.
No espelho dos rostos é só mais um
Carnaval de todo dia
Cotidianamente ridicularizado.
Hoje sou rei
Carregado pelos arautos fúnebres de minha existência
 Repouso eternamente
Nas cinzas da quarta feira.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Aranha

                                                        Ode à Má Mère - Louise Borgeois

A aranha trabalha metódicamente
Tece fios de tramas complexas
As mesmas linhas da palma da mão.
Fios de mãos moiras
Levam o caminho para vida ou morte.
A aranha cuida dos filhotes
Tece fios quentes e macios
Um a um
Devoram-se
A mãe traça os destinos.
Quem irá me amamentar?
Aranha materna me acalenta
Trabalha
Mãe- aranha me alimenta
Me prende em sua teia
O que será de mim quando partires?
Afastem-se fiadeiras
O medo não existe?
Uno os fios de tua vida
Para que não fiques por um fio.


segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Sempre Haverão Outros Carnavais

Gotas de chuva pelas ruas da cidade
Roupas coloridas
Pontos de confete e serpentina
Pessoas que se beijam e se abraçam
Dançam os metais
Em marchas compassadas.
Multidão que passa
Multidão que olha.
Olho tudo de cima
Do alto das cabeças
Aceno o riso.
Outros carnavais esperam por mim
Com suas plumas e paetês
Luzes a iluminar a minha face.
Pierrot vem brincar
Ser quem se quis
Ter o que se deseja
Sempre quis ser grande
E ver o mundo do alto
Acima de todas as cabeças.
Sigo meu caminho
Alguém me pergunta: onde vais?
Respondo: vou por aí,
Sempre haverão outros carnavais
E eles me esperam.



Não Me Ame Tanto


Não me ame tanto
Eu tenho algum problema com amor demais
... Eu jogo tudo no lixo sempre

Não me ame tanto
Não posso suportar um amor que é mais do que
O que eu sinto por dentro
Penso

Desapego corretamente
Ou incorretamente
Um sentimento mesquinho
Que eu sinto por dentro
Tenso
Por isso não me ame
Não me ame tanto

Não me ame tanto
Eu tenho algum problema com amor demais
Eu jogo tudo no lixo sempre

Não me ame tanto
Não posso suportar um amor que é mais do que
O que eu sinto por dentro
Penso

Pego tudo
O meu e o seu amor
Faço um bolo de amor
E jogo fora
Ou como e gozo
Dentro

Karina Buhr