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... tenho a liberdade de escrever e deixar ler a quem interessar alguns poemas, fotografias, críticas e outras coisas.A efemeridade da vida e o seu processo cíclico, a efervescência dionisíaca da sociedade são assuntos que quero botar em discussão.Então...fiquem a vontade.

sábado, 28 de agosto de 2010

Da Minha Janela Eu Vejo... Breve ensaio sobre a flanerie como instrumento de pesquisa para o corpo do ator

   Foto: Jaqueline Souza               Janelas Cotidianas-Série 2003

Durante toda minha infância solitária, tinha como uma amiga íntima e inseparável uma janela. Ela se localizava na sala de minha velha casa de madeira no bairro da Sacramenta, onde todos os dias eu via passar o vendedor de cascalhos com sua música inconfundível no triângulo, a velha que tinha um andar torto e engraçado e que todos diziam que ela era a matinta perera da rua, o carroceiro que passava chicoteando seu cavalo,o carrinho de pipoca que passava buzinando em alto e bom som o bero bero bero, as crianças que brincavam fazendo aquela zoada, enfim, situações corriqueiras, cotidianas da minha rua.

Naquela época, nos anos de 1981 a 1989 eu não tinha mais nada para fazer além de observar as pessoas e me acostumei tanto a isso que passava horas olhando para rua ou para o nada.Minha mãe uma vez intrigada com a situação me perguntou porque estava ali parada sem fazer nada e então respondi: Estou sim fazendo alguma coisa, estou pensando.

As situações cotidianas influenciavam nas minhas brincadeiras com as minhas bonecas,primeiramente eu desenhava as cenas no papel, criava um roteiro e construía as cenas manipulando as bonecas criando em cima daquilo uma dramaturgia, claro que na época eu nem sabia que estava fazendo eu só brincava.

Anos mais tarde, já mulher feita,com uma trajetória dentro do campo das artes, comecei a ter questionamentos a respeito da sociedade em que eu vivo como todo artista e passei a observar alguns elementos que se destacavam de alguma forma em meu olhar, anotando e fotografando com meu pensamento cenas que só eu percebia ou melhor passavam despercebidamente pelas pessoas apressadas.

Os gestos me chamavam muita atenção, então me apropriei do conceito de flaneur em Walter Benjamim quando ele analisa a flânerie de Charles Baudelaire em sua obra Flores do Mal onde ele afirma que só o artista em sua flânerie consegue penetrar na alma de um outro, em meio aos sobressaltos da rua. Só ele tem acesso à privacidade de alguém, em meio ao espaço público. Benjamim afirma que Baudelaire explicita a sua obsessão de combinar os movimentos da alma e da fantasia ao ritmo da vida moderna; só assim o artista é capaz de captar, no interior da multidão, sentimentos muito íntimos de indivíduos desconhecidos.

Da minha janela eu via as fantasmagorias como Baudelaire, via a matéria prima para a construção de meus personagens, via estórias de corporeidade e fisicidade de cada um. O athos e o gestus que hoje compõem minha pesquisa e me afirmo enquanto flanêur.

Hoje da minha janela eu vejo infinitas possibilidades da minha pesquisa, mas quero no momento concluir uma: a flanerie como instrumento de pesquisa para o ator e vejo que o ator nada mais é que um flaneur na sociedade que vive.

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